quarta-feira, 7 de julho de 2010

Cartum tipo "eu já sabia!"

Cartuns de um guri fanático, feitos para o Jornal do Grêmio em 1977, ano em que o tricolor terminava com uma longa hegemonia do seu rival no futebol gaúcho. Para ter uma ideia de como foi, leia o texto de Eduardo Bueno, copiado do livro "Grêmio: nada pode ser maior", publicado em 2005:

Em 1977, o pobre S. C. Municipal, de glórias tão vãs e tão, digamos, regionais, vivia uma suposta fase áurea praticando, vejam só, o tal "futebol-arte". O Grêmio, que havia se cansado de ganhar (12 títulos em 13 anos dá um certo trabalho) e já se preparava para conquistar a América e o mundo – como veremos a seguir –  vivia seu período de entressafra. Mas naquele ano, aborrecido com a empáfia da turma da beira-lago, decidiu afogar os sonhos vermículos e montou um timaço, autêntica máquina tricolor.

O goleiro era... uruguaio, é claro. Chamava-se Walter Corbo (por quem nunca morri de amores, mas naquele ano ele foi bem). O lateral-direito era o admirável Eurico, o rei do carrinho, que subira na vida ao trocar o Palmeiras pelo Grêmio na temporada anterior. O zagueiro central era... uruguaio, é claro. Seu nome? Atílio Ancheta. O quarto-zagueiro era o monumental Oberdan, o patrão da área, o cara que ao ser contratado disse: "Na minha área Fulano de Tal (referindo-se a um adversário vermelho) não cabeceia mais"; e não é que o tal fulano não mais cabeceou? O lateral-esquerdo era Ladinho, aquele que falava fino e jogava grosso; e pelo ladinho dele nunca mais passou um certo Argemiro, Wardomiro, sei lá como se chamava o ponta deles.

Na frente da zaga, como volante de contenção (embora esse sonoro nome ainda não existisse; foi inventado bem depois), jogava Vitor Hugo, o centromédio que transformava adversários em coadjuvantes de seu melhor romance: Os Miseráveis, não sei se você já leu, junto a ele, meu ídolo Yura, o Passarinho, um símbolo do Grêmio, o jogador-fibra, um coração de leão, a quem se juntava o frio, cerebrino e calculista Tadeu Ricci. O ataque era brincadeira, meu irmão: na direita Tarciso, o Flecha Negra; na esquerda, Éder, um potro indomável, então com 18 anos e, no comando das ações, um dos maiores matadores que já vi: André Carimba, meu amigo pessoal, personagem central da história que vou contar.

Com Corbo, Eurico, Ancheta, Oberdan e Ladinho, Vitor Hugo, Yura e Tadeu Ricci, Tarciso, André e Éder, o Grêmio começou a disputar aquele Gauchão em março. A fórmula era das mais esdrúxulas: 24 times, jogando todos contra todos, com os dez melhores se classificando para o decagonal final. Para dar mais graça à conquista, o Grêmio ficou em segundo lugar na fase classificatória. Mas ganhou o primeiro e o segundo turnos da fase final. Ainda assim, não foi considerado campeão. Como o amontoado da beira-lago ganhara a inócua fase de classificação, marcou-se um jogo extra.

O Grepal decisivo foi disputado no Olímpico, no dia 25 de setembro de 1977 (...)

O jogo começou tenso, mas com o Grêmio pressionando, embora precisasse só do empate para assegurar o título. O time era tão superior ao adversário que Tarciso se deu ao luxo de desperdiçar um pênalti, já aos 25 minutos. Mas a primeira etapa ainda não havia acabado quando o Grêmio marcou o gol do título. E que gol, my friend!

A boa fortuna veio dos pés de um enviado da Bahia de todos os santos: o maravilhoso André Carimba, o melhor centroavante que vi jogar nesta e noutras vidas (incluindo minha encarnação maia). Tudo começa com o genial Tadeu Ricci dominando pela meia-direita e lançando Yura na meia-esquerda. Yura vê André entrando pelo meio e lhe enfia a bola. André engana o zagueiro com um jogo de corpo e entra na área. Mas a bola à sua frente está enviesada e só pode ser dominada por um malabarista. O ângulo do chute tem que ser calculado por Einstein. A força precisa obedecer aos insondáveis critérios da física quântica. Mas André não é afeito a regras rígidas: prefere a teoria do caos. Por isso, quando deveria ter dominado e chutado cruzado e rasteiro de esquerda, bate com o contrapé, de direita – alto e no ângulo.

A velocidade da jogada, do pensamento, da decisão e do chute de André ludibriou a zaga do rival citadino. O goleiro rubro – ainda por cima paraguaio – teve seus reflexos desarticulados. O tempo, que um poeta chamado Gilberto Gil disse que poderia ser parado para que se mudasse o curso da história, mudou de ritmo e de rumo na cabeça feita e nos pés ágeis de André. O artilheiro estava noutra freqüência e noutra dimensão ao estufar as redes na tarde-noite iluminada do Estádio Olímpico, naquele 25 de setembro de 1977. E fez um gol para a história tricolor. Um gol com a bênção dos deuses e a saudação dos orixás, coroado pela frase magistral de um poeta.

Sim, pois nosso filme épico ainda não acabou. Depois de marcar, André sai correndo em direção à linha de fundo. Então, um salto mortal o faz erguer-se quase dois metros do chão. Quando ele está lá em cima, nos píncaros da glória, vendo o pequenino mundo lá embaixo, uma fisgada distende-lhe o músculo posterior da coxa. E André cai espatifado de peito contra o gramado. Só quando pára de vibrar é que a torcida do Grêmio percebe que o herói já deixou o campo, de maca.

No problem: o segundo tempo se passa como num sonho e nem em sonhos o Municipal se aproxima da área do patrão Oberdan. O jogo termina como terminara o primeiro tempo: com 1 X 0 para o Grêmio. O título está garantido. 1977 será para sempre o ano da reconquista.