terça-feira, 28 de abril de 2015

Era uma vez o gatilho mais rápido do soul

[...]
Uma noite Tim ligou nervoso para Tibério Gaspar; estavam tentando assaltá-lo. Um homem queria subir para lhe entregar um buquê de flores e tinha sido barrado pelo porteiro, mas ele e um comparsa continuavam rondando. Tim jamais ligaria para a polícia, ainda mais com tanta brizola e maconha pela casa, e implorou a Tibério que fosse para lá:
"E não é percepnoia não!”
Para enfatizar o perigo real, Tim usava a fusão de percepção com paranóia para o sentimento de pânico que se apossava dele com tanta frequência. Tibério estava cansado e achou que, como sempre, Tim só queria companhia. Disse que iria, como Tim dizia que compareceria aos shows. Cinco minutos depois, ele de novo no telefone, mais nervoso ainda, falando sério:
"Pelo amor de Deus, Tibério Gaspar, a coisa tá feia, mermão, vem me dar uma ajuda aqui.”
Por via das dúvidas, Tibério pôs no bolso um Smith & Wesson .32 e partiu para a Gávea. Parou o carro na esquina, passou em frente ao prédio como quem não quer nada e viu dois homens, um com um buquê de flores e outro encostado em um carro, com um terceiro sentado ao volante. Não era percepnoia mesmo. Tibério achou melhor ir correndo à 12ª DP e voltou com três tiras bem armados, que prenderam dois bandidos, um com uma 9 mm e outro com uma 765, mas não conseguiram impedir que o terceiro fugisse com o carro. No dia seguinte deu em O Dia, com a foto dos bandidos presos: "Assalto com flores.”
Tibério foi recebido por Tim como um herói, mas não só ficou em cativeiro até o dia clarear como teve a ideia pouco feliz de deixar o Smith & Wesson para que, na eventualidade de alguma ameaça, Tim se sentisse mais seguro. E o resto do mundo ameaçado.
De volta ao estúdio, Tim estava transtornado, não falava de outra coisa: "Como é que pode? A gente tá em casa e mesmo assim tá correndo risco.”
Falava um pouquinho da música e voltava ao assunto:
"Podiam ter me matado, por isso é que a pessoa tem que saber defesa pessoal, tem que se defender.”
Deixou a gravação por conta dos músicos e só fumava, bebia e refletia. Por volta de duas da manhã, tomando uísque num copinho de plástico, soltou a pérola oriental:
"Ô Gilsomendonça, o chinês é que é esperto. O chinês inventou o jiu-jítsu, o judô, foi misturando com caratê, artes marciais, defesa pessoal, e acabou inventando a pólvora. E depois fez logo o revólver, que ele não é maluco, mermão!”
Na sua primeira crise de percepnoia, Tim esvaziou o tambor do Smith & Wesson na sala e na mata. Era ali que estavam escondidos os caras que queriam assaltar sua casa e sequestrá-lo. Designou o cantor Paulo Bagunça, líder da banda Tropa Maldita, que morava na Cruzada São Sebastião, no Leblon, mas estava trabalhando com Tim, para vigiar a mata em frente à janela do quarto. E Edson Trindade, velho companheiro e bebum irrecuperável, hóspede do quarto de empregada, se encarregava da janela da sala.
"A moita mexeu, Paulo Bagunça?", perguntava de cinco em cinco minutos. "Mexeu alguma coisa aí, Edinho?”
Até que alguém se cansava e dizia que tinha visto alguma coisa mexendo, Tim disparava dois ou três tiros e o perigo estava conjurado.
Mesmo no quarto andar ele não se sentia seguro, achava que os meros três ou quatro metros que separavam a janela e a mata poderiam ser facilmente vencidos pelos bandidos. Seriam recebidos a bala, prometia o xerife do soul.
Alguns dias depois do assalto com flores, no fim da tarde, Tibério recebeu outro telefonema dramático. Bandidos estavam tentando invadir o apartamento de Tim por uma escada Magirus roubada dos bombeiros. Tibério disse que estava indo, mas, no estilo Maia, só trocou o canal da televisão e abriu mais uma cerveja.
Enquanto isso, na Rua Marquês de São Vicente, antes que fossem alvejados por Tim, apavorados funcionários da Light, que subiam por uma escada para consertar um transformador, acharam melhor descer correndo e dar um tempo.
Finalmente, algum amigo, ou quase, fez a cortesia de sumir com a arma, e o gatilho mais rápido do soul silenciou.
[...]

Vale Tudo – O Som e a Fúria de Tim Maia, Nelson Motta (2006).