sexta-feira, 21 de maio de 2010

Uma mãe desonrada sustenta uma filha honrada

O texto a seguir, extraído do livro "A Nova Física e o Espírito" (2000), do professor e conferencista Moacir Costa de Araújo Lima, é parte do capítulo "A Consciência em Expansão e a Educação para o Terceiro Milênio", que trata sobre o combate que toda ideia nova sofre. Entre alguns dos exemplos da sistemática oposição ao novo, está o interessante caso de Johannes Kepler (1571-1630), astrônomo e matemático alemão.

"Kepler, que com humildade não muito grande se considerava o melhor apreciador da obra da Criação, dizia, "modestamente": "Depois de Deus, Kepler. Deus para fazer, Kepler para apreciar."


Pois esse mesmo Kepler permaneceu de 1603 a 1609 com os originais de sua teoria, relativa aos movimentos planetários, engavetados, com medo da repercussão que poderia ter a divulgação daquele conhecimento.


Na sua primeira lei, Kepler dizia que os planetas descreviam órbitas elípticas.


Isso já contrariava Aristóteles e, por conseguinte, Tomás de Aquino, que se baseou em Aristóteles no Resumo da Teologia.


Dizia Aristóteles que os planetas descreviam órbitas circulares, visto que a circunferência era a mais perfeita das figuras.


Dizer isso seria um erro simples. Justificar tornou-o um pouco pior.


Por que a órbita é circular? Porque a circunferência é a mais bela das figuras. (...)


E o que era pior. No enunciado de Kepler, os planetas descreviam órbitas em torno do Sol e não da Terra, que era o centro imóvel de todo o universo, segundo as ideias de Aristóteles e da teologia.


Kepler tinha muito medo de publicar sua revolucionária teoria e, assim, ficou seis anos com os originais guardados.


Há uma curiosidade na vida de Kepler. Ele fazia horóscopos, mas não acreditava neles. (...)


E dizia assim: uma mãe desonrada sustenta uma filha honrada.


A mãe desonrada era, para ele, aquela teoria toda dos horóscopos; a filha honrada era a astronomia. Mas era fazendo horóscopos que ele obtinha dinheiro para fazer a pesquisa astronômica.


E entre seus consulentes estava o príncipe Rodolfo, seu amigo particular, que permitiu a publicação da obra, mas, mesmo assim, o autor temia pelas repercussões. (...)


Levou seis anos pensando se publicava a obra ou não. Publicou em 1609. Não demorou muito e seu protetor morreu. Kepler não previu.


Com a morte do príncipe, resolveram perseguir Kepler pela heresia da obra, mas se constrangeram em fazer algo diretamente contra ele, porque, afinal de contas, havia sido permitida a publicação.


Então, fizeram um processo contra sua mãe.


Acusação: bruxaria, uma acusação seríssima na época.


O processo terminou em uma fase intermediária. A senhora seria submetida ao que chamaríamos tortura progressiva. O carrasco mostrava, um a um, vários instrumentos de tortura, explicava o que a pessoa iria sentir quando os instrumentos lhe fossem aplicados, e, provando ser um profissional competente, submetia a pessoa aos instrumentos, fazendo com que ela sentisse exatamente aquilo que ele havia previsto.

Isso era apenas parte do interrogatório; não era final. Era para deixar a pessoa "à vontade" para confessar algum erro que ela, eventualmente, não estivesse querendo assumir.

Kepler conseguira, com alguma influência política, que o processo parasse por aí. (...)


As provas eram absolutamente inconsistentes, mas havia muito medo da prova final, a quem eram submetidas as bruxas: Segundo crença da época, a bruxa não morria afogada. Então, se persistissem as dúvidas e não se chegasse a um conclusão definitiva, se era ou não bruxa a acusada, era aquela colocada em um barquinho, pés e mãos amarrados às costas, jogada no meio de um rio de grande profundidade. Se demorasse um pouquinho a afundar, era bruxa, sendo levada dali diretamente para a fogueira. No entanto, se morresse afogada – não se sabia por que isto ocorria com a maioria absoluta – estava, pelo menos, provado que bruxa não era. (...)


Quando esse processo foi suspenso, Kepler, retornando à sua cidade, não foi aceito.


Era considerado filho de uma bruxa, "persona non grata" na sociedade, e morreu prematuramente, realizando longas viagens a cavalo para receber proventos que lhe eram devidos, por aulas e conferências dadas.


Deve-se dizer que para todos é difícil imaginar, pois vivemos outros tempos, situação semelhante.


Kepler era uma espécie de professor público. Naquela época, os professores eram mal pagos, coisa difícil de conceber, recebendo, na maior parte das vezes, com atraso.


É algo inimaginável. Como eu disse, isso parece estória. É muito mais fácil imaginarmos um dragão alado do que uma barbaridade dessas. Mas relata a história que foi assim. E o relato é unânime e, portanto, possivelmente deva valer, a despeito da enorme dificuldade que temos até para imaginar algo semelhante a professor mal remunerado...


Kepler, doente e só, morre em 1630 e deixa um epitáfio de sua própria pena:
Eu medi os céus, agora as sombras eu meço. Para o firmamento viaja a mente, na terra descansa o corpo."