sexta-feira, 12 de setembro de 2008

Duas queridas figuras II



Ivo Picoral nos relatou: O "doutor Rocha", como era conhecido o Rocha Hoffmeister desde a década de 20, não era só mestre-de-obras, como ainda era o médico dos pobres torrenses.
Descendente de alemães, boa estatura, amorenado pelo ar salino e pelo sol da vila praiana. Como não dispusesse de tempo livre, atendia sua fiel clientela de doentes até nas obras em que trabalhava. E foi no alto de um andaime que ouviu a voz aflita de uma mulher:
- Doutor Rocha. Meu filho amanheceu com muita febre; já dei muito chá e não sei mais o que fazer! E a voz lá de cima:
- Quantos anos ele tem?
- Doze, respondeu a voz lá de baixo.
Então o Rocha puxou do bolso o seu grande lápis de carpinteiro e redigiu a receita.
- Leva isto ao farmacêutico Cidade. É uma colher das de sopa de 3 em 3 horas!
Logo depois o Cidade leu o escrito e resmungou:
- Este Rocha! Ontem a receita veio numa ponta de tábua; hoje, neste caco de telha...

Um dos ditos do Rocha: que quando morresse, não queria ir para o céu, mas para o inferno, "pois lá existem o carnaval e Carmen Miranda"...

Alcino Webber Rodrigues relembra: premido pela autoridade sanitária local, o "doutor Rocha" foi indiciado pela justiça torrense como incurso no delito de "exercício ilegal da medicina", no tempo em que era juiz de direito o doutor Lauro Freitag, "o pena leve", como era chamado, pela sua moderação no julgar e condenar; o promotor era o doutor Luís Ferreira, que carregou fortemente na condenação do Rocha. Mas o Juiz, ante a farta e numerosa prova testemunhal de que nunca alguém houvesse morrido sob os cuidados do "doutor Rocha", e ainda frente a mais que provada gratuidade do seu trabalho de assistência aos doentes, absolveu-o em alentada sentença, com grande satisfação do povo torrense.
Ernani da Rocha Hoffmeister nos informa: seu pai nasceu em Santa Maria-RS, em 1885, e veio para Torres aproximadamente em 1910, onde faleceu em janeiro de 1964.
Era muito cioso dos prazos assumidos para a conclusão das obras que contratava; por isso, quando tinha de se ausentar momentaneamente de uma construção sua, usava o seguinte expediente: chamava o operário Deoclides e lhe recomendava:
- Deoclides, fica reparando no trabalho do Anselmo, enquanto eu vou sair; depois, ao Anselmo:
- Anselmo, repara no trabalho do Pedro; e assim, certo de que a construção continuava progredindo, ia atender a outros que o reclamavam.
Seu pai era registrado no CREA, como construtor.
Das rodas de prosa torrense daquela época, em frente da farmácia do velho Pedro Anflor, faziam parte, entre outros, o Dr. Vieira Pires, o Rocha, o seu Miranda, o Élcio Lima e o capitão Jovino.
Finalizando, Ernani diz de seu pai: aproveitando sua facilidade de expressão verbal, o Rocha algumas vezes exercia a promotoria no foro local, credenciado como "ad hoc".

Guido Muri (1916-2010)Remembranças de Torres, As Vivências de uma Comunidade (1996)