É a primeira vez que falo de psicografia aqui. Assunto estranho, e curioso, mas que passa a ser bem mais quando revela a autoria de um crime. A história é "Obsessão", sobre Rodolfo Valentino, uma das crônicas do livro "Bate-papo com o Além", da médium Zíbia Gasparetto, que no ínicio dos anos 70 psicografou diversas crônicas do carioca Silveira Sampaio [1914-1964], homem de teatro e televisão, de estilo bem-humorado e crítico.
Rodolfo Valentino (1895-1926) foi um dos primeiros galãs de Hollywood, era italiano, viveu em Paris e migrou para os Estados Unidos, onde o estrelato, as mulheres e a morte o esperavam. Problemas de saúde? Não é exatamente isso que o Silveira Sampaio conta:
"Era noite de gala e o teatro regurgitava. Mulheres com vestidos brilhantes e ricamente bordados, homens com sapatos polidos e terno escovado, cheios de elegância e gentilezas. No salão, ricamente adornado, as flores decoravam as frisas como que a lembrar o verão, aromatizando a noite com seus deliciosos perfumes.
A orquestra dera início à abertura e um prelúdio profundamente envolvente encheu o ar, e do peito das mulheres escapou um suspiro de ansiosa expectativa. O astro máximo ao vivo! O grande amante das telas, o mais amado, o inesquecível e sempre lembrado Valentino. O grande ídolo iria aparecer ao vivo, para dançar e representar. Como seria ele? A expectativa era geral.
As luzes se apagaram e a cortina abriu-se, deixando ver, no teatro às escuras, um foco de luz. Num passe de mágica ele apareceu, chapéu de abas largas, elegante, passos compassados. Dançou e, aos rodopios, foi buscar a companheira; ambos enlaçados, volteavam em cena ao compasso da música."
A plateia delirava. Especialmente elas, as mulheres:
"A um canto, uma mulher chorava baixinho. Há algum tempo já sonhava com ele todas as noites. [...]
Olhou o marido, do seu lado, ereto, calado. Não se importava que ele lhe percebesse o entusiasmo. Pouco ligava. No delírio do espetáculo, ela chorou, sorriu, aplaudiu, e esqueceu que não estava só. Quando terminou, levantou-se, pensando em dirigir-se aos camarins. Sentiu um braço de ferro segurando o seu. Olhou como que trazida à realidade. [...]
– Onde vai? – perguntou ele com voz baixa.
– Deixe-me! Vou ao encontro dele. Preciso vê-lo."
Daí o marido a lembra dos filhos:
"O rosto dela contraiu-se num ricto doloroso.
– Que seja... – murmurou determinada - se você os tira de mim, se esse é o preço, eu, embora com o coração despedaçado, não tenho outra alternativa. Seja! Fique com eles e trate-os bem. Depois irei pegar as minhas coisas. Agora deixe-me. Quero ficar só. [...]
Saiu do teatro e foi para casa. Aguardou o dia clarear, e nada da mulher. Foi com o coração apertado que ele viu os filhinhos perguntarem por ela. Foi aí que tomou uma resolução. Apanhou a arma e decidiu. Acabaria com ele. Assim, não mais destruiria lares. Aliviaria a sociedade de um conquistador. Colocou a arma no bolso e saiu. [...]
Esperou com paciência que o espetáculo terminasse, e quando o viu sair, sempre acompanhado, foi atrás. Não viu sua mulher, mas isso não o preocupou, porque com certeza iriam encontrar-se mais tarde. Seguiu o carro e entrou no hotel, procurando descobrir o andar em que ele hospedava. Esgueirou-se pela escada de incêndio, subindo determinado os oito andares. Saltou no terraço dos fundos do apartamento. Ouviu quando eles entraram, acenderam as luzes. Continuou esperando. Ouviu vozes, ele dizendo que estava cansado e que queria dormir. Tudo escuro de novo, silêncio.
O marido ofendido esgueirou-se pela porta e depois, sorrateiro, adentrou o outro aposento. Finalmente o quarto. Sob a luz fraca do ambiente, ele viu o rosto do rival semi-adormecido. Não teve dúvidas, apontou o revólver e atirou. O silenciador colocado na arma abafou o ruído. [...]
A vítima teve tempo de gritar, assustada, e o assassino já saía galgando as escadas, ganhando a rua. Correrias, susto, o medo do escândalo, tudo abafado. No dia seguinte, o mundo abalado recebia a notícia de que, vítima de um apendicite agudo, o famoso astro dera entrada no hospital, onde veio a falecer.
No dia imediato, o assassino, assustado, recebeu a visita de um policial. Pálido, trêmulo, esperou que ele falasse, pronto a se defender.
– O senhor é o doutor R... ? Quero avisá-lo de que sua esposa teve um ataque de loucura e se encontra recolhida a uma casa de saúde."