quarta-feira, 20 de fevereiro de 2013

O Mapa do Tesouro

(...) Na segunda noite acomodaram-se em pequena caverna, algo distante do trilho estreito, logo após os derradeiros tons do crepúsculo. Depois de frugalíssima refeição, passaram a comentar animadamente os feitos da igreja de Jerusalém. Noite fechada e ainda suas vozes quebravam o grande silêncio.
Desdobrando os assuntos, passaram a falar das excelências do Evangelho, exaltando a grandeza da missão de Jesus-Cristo.
– Se os homens soubessem... – dizia Barnabé fazendo comparações.
– Todos se reuniriam em torno do Senhor e descansariam – rematava Paulo cheio de convicção.
– Ele é o Príncipe que reinará sobre todos.
– Ninguém trouxe a este mundo riqueza maior.
– Ah! comentava o discípulo de Simão Pedro – o tesouro de que foi mensageiro engrandecerá a Terra para sempre.
E assim prosseguiam, valendo-se de preciosas imagens da vida comum para simbolizar os bens eternos, quando singular movimento lhes despertou atenção. Dois homens armados precipitaram-se sobre ambos, à fraca luz de uma tocha acesa em resinas.
– A bolsa! – gritou um dos malfeitores.
Barnabé empalideceu ligeiramente, mas Paulo estava sereno e impassível.
– Entreguem o que têm ou morrem – exclamou o outro bandido, alçando o punhal.
Olhando fixamente o companheiro, o ex-rabino ordenou:
– Dá-lhes o dinheiro que resta, Deus suprirá nossas necessidades de outro modo.
Barnabé esvaziou a bolsa que trazia entre as dobras da túnica, enquanto os malfeitores recolhiam, ávidos, a pequena quantia.
Reparando nos pergaminhos do Evangelho que os missionários consultavam à luz da tocha improvisada, um dos ladrões interrogou desconfiado e irônico:
– Que documentos são esses? Faláveis de um príncipe opulento... Ouvimos referências a um tesouro... Que significa tudo isso?
Com admirável presença de espírito, Paulo explicou:
– Sim, de fato estes pergaminhos são o roteiro do imenso tesouro que nos trouxe o Cristo Jesus, que há de reinar sobre os príncipes da Terra.
Um dos bandidos, grandemente interessado, examinou o rolo das anotações de Levi.
– Quem encontrar esse tesouro – prosseguia Paulo, resoluto –, nunca mais sentirá necessidades.
Os ladrões guardaram o Evangelho cuidadosamente.
– Agradecei a Deus não vos tirarmos a vida – disse um deles.
E apagando a tocha bruxuleante, desapareceram na escuridão da noite.
Quando se viram a sós, Barnabé não conseguiu dissimular o assombro.
– E agora? – perguntou com voz trêmula.
– A missão continua bem – glosou Paulo cheio de bom ânimo –, não contávamos com a excelente oportunidade de transmitir a Boa Nova aos ladrões.
O discípulo de Pedro, admirando-se de tamanha serenidade, voltou a dizer:
– Mas, levaram-nos, também, os derradeiros pães de cevada, bem como as capas...
– Haverá sempre alguma fruta na estrada – esclarecia Paulo, decidido – e, quanto às coberturas, não tenhamos maior cuidado, pois não nos faltará o musgo das árvores.
E, desejoso de tranquilizar o companheiro, acrescentava:
– De fato, não temos mais dinheiro, mas julgo não será difícil conseguir trabalho com os tapeceiros de Antioquia de Pisídia. Além disso, a região está muito distante dos grandes centros e posso levar certas novidades aos colegas do ofício. Esta circunstância será vantajosa para nós.
Depois de tecerem esperanças novas, dormiram ao relento, sonhando com as alegrias do Reino de Deus.
No dia seguinte, Barnabé continuava preocupado. Interpelado pelo companheiro, confessou compungido:
– Estou resignado com a carência absoluta de recursos materiais, mas não posso esquecer que nos subtrairam também as anotações evangélicas que possuíamos. Como recomeçar nossa tarefa? Se temos de cor grande parte dos ensinamentos, não poderemos conferir todas as expressões...
Paulo, todavia, fez um gesto significativo e, desabotoando a túnica, retirou alguma coisa que guardava junto do coração.
– Enganas-te, Barnabé – disse com um sorriso otimista –, tenho aqui o Evangelho que me recorda a bondade de Gamaliel. Foi um presente de Simão Pedro ao meu velho mentor, que, por sua vez, mo deu pouco antes de morrer.
O missionário de Chipre apertou nas mãos o tesouro do Cristo. O júbilo voltou a iluminar-lhe o coração. Poderiam dispensar todo o conforto do mundo, mas a palavra de Jesus era imprescindível. (...)
Extraído do livro "Paulo e Estêvão" (Capítulo IV – Primeiros labores apostólicos), de Francisco Cândido Xavier. Romance ditado por Emmanuel (episódios históricos do cristianismo primitivo). Publicado em 1941.