sexta-feira, 13 de junho de 2008

O homem de bem

Se Diógenes voltasse agora ao mundo começaria atirando a sua anacrônica lanterna no lixo e acabaria comprando em prestações, sob reserva de domínio, um possante holofote, a fim de reiniciar a procura de um homem de bem.
Diógenes envelheceria novamente, projetando a luz dos refletores em todas as direções, e terminaria os seus dias na mesma busca inútil que lhe consumiu a primitiva existência.
Desta vez, entretanto, poderia abandonar o seu tonel e tentar a pesquisa nos arranha-céus e nas moradias suntuosas, mas nem por isso seria mais feliz nas suas conclusões.
A humanidade, realmente, não presta para nada, mas não nos devemos esquecer de que nós fazemos parte dela e, portanto, também não somos lá grande coisa. Basta este raciocínio para que tenhamos uma grande dose de tolerância e de complacência para com essas pobres criaturas, cheias de imperfeições e de fraquezas, pois também nós somos feitos do mesmo barro frágil e quebradiço.
O grande erro de Diógenes foi justamente o de procurar o homem de bem entre os seus semelhantes. O homem que julga mal os outros não pode ser trigo limpo.
O filósofo cínico não deveria projetar a luz embaciada de sua lanterna sobre os homens. Ele deveria começar voltando-a sobre si mesmo, porque, por mais patife que seja um cavalheiro, sempre tem o seu lado bom. Aquele que procurar, com boa vontade e sem azedume, um homem de bem não precisará percorrer as ruas da cidade, porque esse homem já se encontra presente no próprio pesquisador.
A humanidade não presta. Mas nós devemos viver reconciliados e conformados com ela. Este é o bicarbonato capaz de melhorar a nossa azia e de acalmar as náuseas totalitárias que assaltam periodicamente o nosso estômago. E, para se chegar a esta perfeição, não é necessário ser muito filósofo como Diógenes. Basta ser um pouco cínico.

Aparício Torelly, "Barão de Itararé" (1895-1971)
Máximas e mínimas do Barão de Itararé. Coletânea de Afonso Félix de Sousa (1985)